D. Manuel Martins, que a sua voz nos inspire a sintonizar a nossa consciência
D. Manuel Martins, que a sua voz nos inspire a sintonizar a nossa consciência...
Num mundo e numa Europa que está a esquecer o valor essencial da vida, que exclui os mais frágeis, que se está a organizar para excluir todos os que não lhe servem nos seus objectivos imediatos de acumulação de riqueza.
As próprias lideranças políticas, dos partidos que se consideravam democratas, ao seguir a lógica financeira dos grandes bancos e das grandes empresas, perderam a credibilidade e, nalguns casos, estão a perder a legitimidade. Abriram as portas à alienação cultural política, à revolta mal dirigida, porque as pessoas se sentiram abandonadas e esquecidas.
Em breve veremos análises políticas a deformar as causas da presença de partidos não democratas nos parlamentos. Em breve ouviremos o impensável, que a razão desta desgraça europeia está na abertura aos refugisdos.
Nada mais errado e perverso. A razão é económica e está nas desigualdades sociais. Desigualdades sociais que os partidos que se consideram democratas ajudaram a criar e a reforçar, pressionados pela cultura financeira da União Europeia.
Desigualdades sociais que se reforçaram depois da austeridade e que agora se estão a organizar à volta do "trabalho alugado" à hora e da automação. É este o verdadeiro motor da actual propaganda pelo UBI (universal basic income). Propor aos cidadãos uma espécie de subsídio vital (para comer, pois não dará para se abrigar), a que chamam cinicamente de "dinheiro grátis", em troca da sua alma, ou seja, da sua razão para viver. Porque sem a dignidade da autonomia, da pertença a uma comunidade, o que resta a uma vida humana?
D. Manuel Martins sempre esteve atento a essa realidade cruel. Em Setúbal foi uma voz isolada a lembrar todos os abandonados e esquecidos no tempo do cavaquismo.
D. Manuel Martins sentia as "dores do mundo", mas não se ficava por aí. Erguia a sua voz, e mesmo quando o chamaram "bispo vermelho" não se importou, pois afinal "vermelho é o sangue", ou seja, o sangue que nos corre a todos nas veias, irmanados na mesma condição humana.
Esse foi o percurso de D. Manuel Martins, essa foi a razão da sua vida, essa foi a sua escolha da consciência.
E qual é a nossa?
Inspirados na sua voz, cada um no seu papel, podemos sintonizar a nossa consciência para o valor essencial da vida.
E o valor essencial da vida é a abertura cultural à diversidade, porque a vida é diversidade, não é uniformidade.
O valor essencial da vida é a descodificação cultural do preconceito, porque a vida não se estrutura segundo exclusividades selectivas. Um organismo morre se uma parte de si adoece e não é tratada. O mesmo serve para as células que se desorganizam ou para vasos sanguíneos que se cortam, etc.
A vida organiza-se na aceitação de todos e de cada um, porque a vida é interacção e equilíbrio.
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As vozes que me inspiram
As vozes que me inspiram escolhem a simplicidade
e o recolhimento
são amáveis por natureza
o olhar límpido e brilhante
riem-se muito
e por vezes choram
As vozes que me inspiram são muito antigas
e sempre actuais
lembram velhinhas de rostos muito brancos
e sorrisos muito carinhosos e maternais
e quando falam é como um sussurro que mal se ouve
como um instrumento musical
a repetir a mesma frase
Lembro como quem viaja no tempo sem se mexer
essa verdade que aprendi ainda é a de hoje
antes no plano teórico agora no plano prático
as vozes que me inspiraram estavam certas
e as que me inspiram hoje também
Gostava de lhes dizer que estou aqui
neste preciso momento
de consciência clara, como um espelho
a reflectir encontros e desencontros
palavras e silêncios
e a claridade exacta
A síntese paradoxal que hoje sou
(ou penso que sou)
essa já é da minha inteira responsabilidade
Passei demasiado tempo a observar o mundo
e sempre através de janelas protectoras
só de vez em quando me atrevi a inundar-me de sol
O mundo sempre me assustou
toda essa agitação sem lógica nem sentido
mas que pode ser amável em pequenas doses
clareiras no tempo onde nos podemos abrigar
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Contradições humanas
Procuramos nos lugares errados
hesitamos em cruzamentos
inseguros, confusos, carentes,
Quem dizia mesmo que só acreditava em náufragos?
Distraímo-nos e alheamo-nos
esquecidos de nós
até aclarar de novo o olhar e a voz
Quem dizia mesmo que só acreditava em náufragos?
De pés bem assentes no chão
insistimos no sonho
pois é o único que nos põe a caminho
Quem dizia mesmo que só acreditava em náufragos?
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A constância
Como distinguir o entusiasmo juvenil
da acção consequente?
Pela constância que colocamos nos nossos passos
Dia a dia, de forma simples e cuidadosa
vamos mantendo essa chama viva
por nós e pelos que nos rodeiam
É o gesto amoroso pela vida
confiar, mesmo sem razão lógica
a diferença essencial de dois planos
o distraído inconsequente
e o atento consciente
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Tempos estranhos...
Tempos estranhos nos aguardam...
Fazemos parte desse grande plano
e nem disso temos consciência
Queremos controlar tudo
mas percebemos que também somos impelidos
a pegar no nosso papel
O que pensávamos certo esboroa-se
quem julgávamos próximo revela-se distante
Depois de anos distorcida, a realidade
coloca-se na posição certa
cada peça no seu lugar
cada cena ganha sentido
Depois da grande agitação
o silêncio universal
sobrepõe-se a todas as coisas
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Antes vivos uma hora, do que a dormir uma vida inteira
Olho para trás e já não te vejo
Quem eu vejo é um reflexo criado por mim
O caminho está deserto de novo
mas não de uma forma desagradável
O sol ilumina tudo como numa paisagem irreal
Vejo pela primeira vez as marcas dos meus passos
e estranho a sua terrível consistência
Sempre gostei de insistir nos mesmos erros
Acordei de um sono longo
e já não poderia respirar nessa ficção
Estes são os efeitos secundários da verdade
uma vez vislumbrada, nada a poderá substituir
Antes vivos uma hora, do que a dormir uma vida inteira
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Reflexões
Um lago quieto
transparente
a reflectir nuvens muito brancas
crianças
pássaros
Às vezes enevoa-se
fica cor de chumbo
Talvez precisemos da densidade
(não digo tristeza)
para amar a claridade
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...
Sacudi meses, anos
décadas de esquecimento
do essencial
Estiquei as articulações até ao limite
experimentei os músculos um pouco flácidos
Ah, uma corrida para treinar a alma!
para desafiar os sonhos essenciais
essa claridade que primeiro vi
na escalada de outras montanhas
Recuperar a agilidade mental e filosófica
a alegria poética!
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...
O vento veio acordar-me da letargia
e da hibernação
Toda a noite se ouviu e sentiu na casa
e na alma
O vento agita-nos, inquieta-nos
e coloca-nos em movimento
Este movimento é o plano certo
o plano certo da vida
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...
Há memórias de frases
de acontecimentos
de uma determinada claridade
de uma determinada emoção
mas não consigo sequer apreender todo o sentido
Sei que tiveram imensa importância no meu percurso
que de certo modo o determinaram
mas ainda não consigo revê-los
ouvi-los de novo, claro e bom som
Há personagens que foram decisivas na minha vida
e nem sei quem são
desconheço a sua realidade
o que me disseram naquele dia
como senti o seu olhar
as suas palavras
que até podiam ser circunstanciais
vazias de sentido
mas que eu valorizei para sempre
como era meu hábito ou característica
gravar tudo o que me acontecia como se fosse na própria alma
ou registo de memória
Isto determinou o meu percurso
Posso até dizer hoje que parte de mim
é esse registo de memórias
como eu as vivi e senti
absorvi melhor dizendo
da forma fragmentada ou sem sentido
Talvez lhes tenha dado um outro sentido
Como era eu antes dessa influência da memória sensível?
É essa claridade que eu recordo vagamente
Uma nuvem, branca, de Maio
Uma determinada tarde de Verão
numa determinada varanda
Um riso, súbito, límpido
Um determinado jardim
As frases, com sequências de palavras
registadas para sempre numa parte de mim
e posteriores a essa minha natureza primordial
vieram alterar de forma inexorável todo o meu percurso
A minha natureza primordial é anterior às palavras